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Através do esporte, a vida

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Sempre fui apaixonado por esportes. Isso não é exclusividade minha, visto que todos os meninos e meninas que cresceram comigo também eram. Fosse no jogo de taco na rua sem saída, no futebolzinho do recreio ou nas piruetas da aula de educação física, brincávamos de Ronaldo, de Vanderlei Cordeiro de Lima, de Daiane dos Santos, e de tantas outras figuras que materializavam nossos sonhos de, um dia, nos tornarmos atletas.

A adolescência chegou, os desejos de ser jogador profissional minguaram, mas o amor por esportes só aumentou. Nessa época, nerdzinho que sempre fui, comecei a ler e pesquisar mais sobre tática e estratégia. Os esquemas táticos (“é melhor jogar com três atacantes ou três zagueiros?”), o momento das substituições (“professor, tem que colocar o cara antes dos 20 do segundo tempo!”), a estratégia de guardar energia pro final da prova (“pai, por que esse favorito da São Silvestre ainda está lá atrás?”).

Tudo isso criava novas camadas, novas variáveis que eu deveria considerar enquanto assistia uma partida na televisão. Do lado de cá da tela eu me imaginava técnico, fantasiando jogadas ensaiadas, buscando alternativas pra furar a defesa adversária, construindo vitórias nas miudezas de jogos tão competitivos.

O tempo voa, e rapidamente a vida adulta bateu à porta. Envolto na efervescência política típica dessa fase, passei a procurar no esporte alguns valores que acredito para além dele. Foi mágico ver as paredes erguidas por discursos que separam o jogo do mundo real serem impiedosamente demolidas, e não tive o menor pudor de atirar a crença “esporte e política não se misturam” na lata de lixo mais próxima.

As mobilizações dos jogadores da NBA no movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) são a prova definitiva que o combate ao racismo deve ser pauta frequente na agenda esportiva. A mobilização social que exige igualdade de gênero, capitaneada principalmente por mulheres, encontra eco nas lutas de atletas de diversas modalidades, que demandam (com toda razão) condições e remuneração compatíveis com as modalidades masculinas. Pelo visto, esporte e política se misturam sim, dado que o jogo acontece nesse mesmo mundindo no qual vivemos, não é mesmo?

Pois chegamos em setembro de 2021, no crepúsculo olímpico e paralímpico de Tóquio, e preciso confessar que a paixão esportiva voltou a queimar dentro de mim. Desde a cerimônia de abertura olímpica, no final de um julho pós – mas nem tão pós-pandêmico, olho com curiosidade para a maneira com que o ciclo olímpico refletiu os últimos tempos: mais intimistas, menos festivos e mais reflexivos, apartados do público devido ao distanciamento social. Épocas de luta, resiliência e superação.

Superação, bem da verdade, tem sido a palavra-ação da grande maioria dos brasileiros: desde os Silvas cujas estrelas não brilham até os dourados Daniel Dias e Carol Santiago, vai todo mundo à lá Chico Buarque, fazendo “pirueta pra cavar o ganha-pão, (…) cavando só de birra, só de sarro”.

O recorde de ouros nas Paralimpíadas (22 medalhas) é um sopro de motivação pra nós, brasileiros e brasileiras “comuns”, e pode nos dar forças pra juntarmos os caquinhos das esperanças que foram se esfacelando nestes tempos de tantas trevas.

Tenho lido bastante sobre paradesporto e Jogos Paralímpicos nas últimas semanas, encontrado histórias verdadeiramente fascinantes de atletas de diversas modalidades. Nestes causos, algumas características se repetem: um acidente ou lesão que provocou algum tipo de deficiência, o esporte aparecendo como parte do processo de reabilitação e desembocando de pronto na prática de atividade competitiva. Atletas admitem que o esporte fascina, fornecendo uma nova perspectiva para encarar a nova fase da vida. É impossível não nos emocionarmos com histórias assim.

Não sou mais aquele moleque que cresceu jogando bola na rua, embora eu saiba que este pequeno Paulo Henrique está bem vivo dentro de mim, e celebra cada bola que encesto quando treino sozinho o meu basquete pelas quadras públicas aqui da cidade. Hoje sou um adulto que olha pra vida através do esporte, e que reconhece ser impossível dissociá-lo do mundo onde vivemos. Mesmo com suas regras, que pretendem torná-lo um universo completo nele mesmo, o jogo acontece aqui, é praticado por mim, por você, por atletas de ponta, todos atores e atrizes de um mundo complexo, diverso, plural. Enxergá-lo monocromaticamente, sem as nuances que o colorem e lhe dão vida, é como bocejar quando seu time marca um gol aos 49 do segundo tempo pra vencer um campeonato em cima do rival.

Esvaziar o esporte de sentido é matá-lo no berço, pois ele precisa de nossa crença para nascer e dali ser transformado em algo que faça sentido, para que novas crenças o alimentem, para que dali seja transformado, num ciclo virtuoso que nunca se encerra. Eu jamais ousaria não acreditar no esporte, ainda mais depois de celebrar as histórias que resultaram em 72 pódios para o Brasil nos Jogos Paralímpicos de Tóquio. Acreditemos, pois.

*Texto do incrível Paulo Henrique Panazzolo de Albuquerque, o @baritonotenor.

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