Treinador foi “picado pelo bichinho” do movimento paralímpico e se empenha diariamente para elevar a modalidade ao cenário esportivo mundial
Ele é técnico da seleção brasileira masculina de goalball, um esporte desenvolvido exclusivamente para deficientes visuais. Na carreira do também professor acadêmico, diversos títulos. Aos 44 anos, Alessandro Tosim, nascido em Jundiaí (SP), é dono de um vasto currículo na área esportiva, principalmente no que diz respeito às modalidades destinadas às pessoas com deficiência (PCDs).
Quando iniciou na faculdade de Educação Física, o objetivo era ser professor de karatê, esporte que realizava desde criança. Em 1998, após assistir a um debate sobre projetos esportivos para PCDs, se viu conversando com a palestrante. O diálogo foi construtivo: três semanas depois, ele estava dando aula de karatê para pessoas com deficiência visual e iniciando, mesmo sem saber, uma história de paixão pelo paradesporto.
Esporte para deficientes visuais: o começo de tudo
Ao longo dos anos, Tosim trabalhou com uma série de modalidades esportivas, até que, em 2001, em um curso de especialização, conheceu o goalball.
“Eu apresentei o goalball para o pessoal que eu já dava aula de karatê. Eles gostaram e nós começamos a brincar, jogar entre nós. Depois disso, começamos a competir. Dois anos depois, estávamos entre os três melhores do Estado”.
Dali pra frente, o contato com o público PCD foi se ampliando. Muitas das suas experiências, ele atribui ao Programa de Esportes e Atividades Motoras Adaptadas (Peama), desenvolvido pela prefeitura de Jundiaí. Do estágio no município paulista à chegada ao posto que ocupa hoje, se passaram cerca de oito anos, até que, em 2009, o professor Alessandro recebeu, da atual Confederação Brasileira de Desportos de Deficientes Visuais (CBDV), o convite para assumir a seleção de goalball.
A ascendente do goalball no Brasil
Nos últimos anos, o goalball ganhou visibilidade no cenário esportivo brasileiro. Em 2004, a seleção feminina fez sua estreia na modalidade, durante os Jogos Paralímpicos de Atenas. Quatro anos depois, em Pequim, foi a vez dos homens confirmarem sua primeira participação em uma Paralimpíada.
Em 2011, um marco: a conquista do primeiro título internacional, nos Jogos Parapanamericanos, de Guadalajara, no México. A medalha de ouro garantiu à seleção masculina uma vaga para Londres 2012. Além dos brasileiros, a competição reuniu outras potências da modalidade. Os canarinhos venceram os EUA na final, pelo placar de 5×3. O resultado deixou os norte-americanos de fora das Paralimpíadas do ano seguinte.
“Fomos para Londres e, então, começamos a entender o potencial da nossa equipe em brigar por medalhas num âmbito mundial. Diziam que estávamos lá como azarões, mas nós chegamos na final e conquistamos a medalha de prata”.
Depois disso, as participações em eventos internacionais se tornaram frequentes. As vitórias também. Entre as conquistas em competições oficiais estão: o campeonato mundial de 2014; o bicampeonato do Parapan, em 2015; a medalha de bronze na Rio 2016; o ouro no Campeonato das Américas de Goalball, em 2017; o bicampeonato mundial, em 2018; e a mais recente delas, o tri nos Jogos Parapanamericanos de Lima, em 2019.
A história do goalball no Brasil passa por Tosim, pois todos os títulos tiveram o comando do técnico.
Multicampeão e sempre à frente da equipe masculina, para ele, trabalhar com o grupo feminino brasileiro ainda é algo a ser pensado. “Todos os grandes treinadores do mundo falam que um grande desafio é a conquista de títulos tanto com a seleção masculina, quanto com a feminina. É algo que não depende só de mim, mas talvez, um dia, eu tenha essa vontade”.
Os desafios do goalball
Ao contrário de outras modalidades paralímpicas, o goalball não é um esporte adaptado.
Baseado nas percepções tátil e auditiva dos atletas é praticado exclusivamente por pessoas com deficiência visual. Diferentemente do vôlei sentado, por exemplo, que usa as regras do vôlei; ou do paratletismo, que segue os mesmos parâmetros do atletismo convencional, o goalball não possui uma base técnica a ser seguida.
“O treinador esportivo precisa passar por contextos de aprendizagem. O principal deles é entender o processo de cada modalidade. No goalball não temos essa raiz. A aprendizagem vai acontecendo por meio de vivências práticas, competições no dia a dia, elaboração de estratégias e treinamentos, então é um pouco diferente dos esportes convencionais”.
Treinador Alessandro Tosim: o reconhecimento profissional
Eleito três vezes o melhor técnico de esporte coletivo paralímpico, pelo Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), Tosim sabe reconhecer todo o empenho da sua equipe ao longo desse processo. O treinamento técnico e tático, desenvolvido por ele, recebe complemento de outras áreas. É a junção de uma série de elementos que leva ao sucesso profissional.
“A primeira coisa é sabermos que temos uma comissão técnica muito forte: auxiliar, preparador físico, psicóloga do esporte, nutricionista, fisioterapeuta, analista de desempenho. Isso demonstra como o profissionalismo é fundamental em esportes de alta performance.”
Para ele, já passou a fase na qual um treinador esportivo entendia somente do jogo. Hoje em dia, além de questões táticas, o técnico assumiu noções básicas que fazem diferença no rendimento esportivo.
“No momento dos prêmios é gratificante porque eu represento toda uma comissão técnica e atletas. Tudo isso é reflexo do bom trabalho. Mas, sempre tenho a ideia de que a estrela principal são os atletas. Nós os fazemos campeões, mas são eles que brilham.”
Modalidade do goalball: como treinar em casa?
A pandemia do coronavírus mudou a rotina de atletas do mundo todo. Os comandados de Tosim são orientados a realizarem, diariamente, exercícios físicos em casa. De uma a duas vezes por semana, a equipe se reúne em videochamada para os treinos técnicos.
“Por incrível que pareça é algo que tem dado muito certo. Depois dos treinos, no dia seguinte, eles mandam mensagens como ‘eu estou todo quebrado’ ou ‘estou morto aqui, o treino foi puxado”, se diverte, ao relembrar do feedback que recebe dos atletas.
No esporte de alto rendimento, ficar afastado da estrutura necessária para a prática de cada modalidade pode significar perdas no desempenho dos atletas. Estar longe das quadras e das regras do goalball, por exemplo, é um desafio. Além disso, a realização das Olimpíadas e Paralimpíadas, adiadas para este ano, ainda é incerta.
Por mais que alguns atletas brasileiros já tenham sido liberados a treinar pelos clubes em que atuam, o isolamento social dificulta a rotina de treinos coletivos. Tosim acredita que o replanejamento da seleção vai ser fundamental à chegada em Tóquio. “Para o esporte coletivo, o conjunto é muito importante. A intensidade de um jogo nas Paralimpíadas é completamente diferente. Se não tivermos o grupo treinando junto, em alta intensidade, dificilmente vamos alcançar um título paralímpico”.
Apesar das incertezas deixadas pela pandemia, o anseio é pelo primeiro lugar no pódio. “Eu acredito que a gente vá chegar nas Paralimpíadas muito fortes. Temos talentos esportivos, atletas empenhados e focados no goalball. Eles sabem que o título que nos falta é a medalha de ouro paralímpica, e também almejam isso”.
Goalball: a potência do esporte paralímpico brasileiro
Nos últimos anos, uma série de fatores têm levado o movimento paralímpico brasileiro ao topo. Hoje, o país figura entre os dez melhores do mundo no cenário paradesportivo. A criação do CPB, em 1995, e de leis que regulamentam a captação de recursos auxiliou não só no fomento do esporte para pessoas com deficiência, mas também na revelação de uma geração de atletas.
Mas como tornar o goalball um dos principais esportes do mundo? Conforme Tosim, os investimentos em estrutura para treinos, a realização de competições que elevam a modalidade e a aposta nas categorias de base complementam a receita desse desenvolvimento. Para ele, tudo passa pela educação e pelo entendimento de que o esporte tem concepções além da alta performance.
“O esporte pode ser escolar, de lazer, de reabilitação. O que precisamos são políticas públicas relacionadas às prefeituras. Promover o esporte para pessoas com deficiência é fundamental, e isso começa na escola. A pessoa com deficiência ter a oportunidade de realizar aulas de Educação Física é o ponto principal. Se isso acontecer, vamos ter uma gama muito maior de pessoas inseridas no esporte de competição e, obviamente, com chances de serem selecionadas à equipe brasileira”.